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Temer e um dos proprietários da JBS |
I – Na democracia burguesa, não está
em jogo se existirá ou não propriedade privada dos meios de produção, divisão
capitalista entre trabalho intelectual e trabalho manual ou apropriação privada
da riqueza socialmente produzida. Em suma, na democracia burguesa, não
deliberamos e nunca vamos deliberar pela continuidade ou não das relações
econômicas de produção e reprodução da vida. Essas relações são tomadas como
algo dado, imutável, inquestionável – justamente por isso, todo Estado
capitalista, independente da sua forma-política, é burguês: uma das suas
principais tarefas é defender as relações de produção existentes.
II – Na democracia burguesa, por mais
“democrática” que seja, está em jogo apenas a disputa por uma pequena parcela
da riqueza socialmente produzida apropriada pelo Estado, conformando o fundo
público. O Estado burguês captura uma parte da riqueza produzida pelos
trabalhadores e não transformada imediatamente em lucros, renda da terra, juros
ou salário, e converte essa riqueza no fundo público; a democracia, idealmente
falando, arbitra a disputa de como, onde e quanto será gasto desse fundo
público. O orçamento público será investido na agricultura familiar ou no
latifúndio? Nos planos de saúde ou no SUS? Vai ter ou não passe-livre? É isso,
e no máximo isso, que dentro da estrutura burguesa de Estado o “cidadão” tem
“poder” de decisão – algo que na prática, evidentemente, é anulado porque o
“cidadão” existe como representação jurídica, mas no mundo real, temos classes
e frações de classe, e as classes dominantes também controlam o fundo público:
quase 50% do orçamento público ir para pagamento de juros da dívida e a
aprovação da PEC da MORTE são apenas exemplos desse controle.
III – Esse poder estruturalmente
diferencial da classe dominante frente à classe dominada no chamado “conflito
redistributivo” pelo fundo público torna-se ainda mais desigual com a
corrupção. Não compreendemos corrupção como um desvio ético e moral de
determinados partidos, empresários e políticos, mas sim como um sistema de
poder, uma institucionalidade paralela, para a disputa entre o bloco no poder
(ou seja, entre os membros da classe dominante) pelo fundo público e mais uma
forma de a classe dominante controlar o orçamento estatal fechando-o aos
trabalhadores. Partidos políticos, empresas (empreiteiras, indústrias, grande
comércio varejista etc.), escritórios de advocacia e agências de publicidade
mantém seções específicas para tratar das práticas de corrupção: organização
das propinas, fraudes em licitações e contratos, compra de apoio institucional,
desvio de verbas, superfaturamento de obras etc. Existe toda uma rede
institucional que se funde com a institucionalidade oficial e garante que só os
membros da classe dominante briguem por determinada parcela do fundo público
(por exemplo: empreiteiras fecham entre si cotas de superfaturamento em
determinadas obras em um estado; digamos que cada uma fique com 20%; essa forma
de dividir o fundo público não chega ao conhecimento das classes dominadas e
simplesmente não temos poder de impedir que aconteça; o máximo é desbaratar um
esquema para logo em seguida criar um novo).
IV – Se a corrupção é uma forma de
gestão do poder burguês, as concepções idealistas da moralidade,
características da história do PT e de setores do PSOL – que se afirmam
vacinados contra a corrupção por serem éticos –, não faz qualquer sentido. Todo
partido que se propõe a gerir a ordem, e essa gerência pode ser pela esquerda:
destinando prioritariamente o fundo público para a construção de direitos
sociais, terá em maior ou menor medida que compactuar com esse sistema. Note,
imaginem Marcelo Freixo ganhando a prefeitura do Rio de Janeiro e se recusando
a pagar propina às empreiteiras. Qual seria a consequência imediata?
Paralisação de todas as obras no Rio de Janeiro. Com a vigência da PEC da MORTE
e um Executivo Federal comprometido com as empreiteiras, dificilmente a
prefeitura do Rio conseguiria verbas para criar uma empresa pública municipal
de construção. Medidas paliativas poderiam ser tomadas para pequenas obras,
como mutirões, mas a capacidade de construção de obras públicas estaria
seriamente debilitada. A opção é: aceitar ao menos parcialmente ou sofrer um
boicote total. E o fato de nosso amigo Freixo ler Habermas e Bauman e ser
profundamente correto não mudará isso.
V – A conclusão que se impõe é desde
já colocar a questão da luta contra a corrupção como uma luta contra o poder
econômico e político da burguesia. Enquanto existir uma classe que se apropria
privadamente da riqueza socialmente produzida e, consequentemente, garante o
controle do poder político e ideológico nas suas mãos, a legalidade será gerida
no seu interesse e essas redes paralelas de controle do fundo público vão se
multiplicar como ervas daninhas. Não existe direito penal ou Polícia Federal
suficientemente “morais” para evitar isso. Ao mesmo tempo, a pregação ética,
embora não totalmente desprezível, afinal temos que realizar uma mediação do
discurso com a consciência média do trabalhador, não pode e não deve ser o parâmetro
de apresentação de um partido de esquerda: todo partido que se propor a ser um
dos principais gestores do Estado burguês sofrerá as consequências de suas
práticas de poder. Gerir o Estado burguês e não se atrelar com a corrupção é
algo impossível – exemplo significativo disso é que mesmo o avançado PSUV na
popular democracia venezuelana conta com vários e vários casos de corrupção de
dirigentes médios e de alto escalão.
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